foto: Mariana Blanc Mendes

Aldir Blanc com o pai Alceu, Ceceu Rico – aquele que não gosta de festa

Aldir Blanc

“Sair da rua dos Artistas foi muito parecido com morrer. A infância delineia comportamentos que a gente repete pela vida afora. Meu exemplo favorito é o da árvore. Não o da goiabeira branca que vinha até o chão para que eu subisse nela.

A árvore de que falo é outra. A um frondoso tronco da praça Niterói. Meu pai comprara para mim uma bicicleta dos grandes corredores franceses.

Sempre fui grato a meu pai pelo esforço que empreendia, me ensinando a andar naquela joça. Ele era fumante inveterado e asmático. Parava roxo, encostado num muro a cada cinco metros para tomar fôlego ou… fumar. Eu até que ia bem sem ele, mas quando olhava para trás, não o via e gritava “paaaaiii!”. E me estabacava no chão.

Ele desesperado esbravejava, “quando sentir que vai tombar pra esquerda ou pra direita apoia o pé!”. E lá íamos nós de novo. Na tal praça, aí com uns oito anos, fitei enraivecido o tronco assassino. Estava a uns trinta metros. A árvore impassível me aguardava. Parti. O vento assoviando. “A árvore! A árvore!”

Apesar das advertências nos chocamos com o estrépito e o estrago dos grandes amores. Sempre, a partir desse dia bemdito, ao adentrar palcos para shows, ao comparecer a noites de autógrafos, ouvirei inexoravelmente o aviso nefasto a respeito da árvore.

Mas hoje, com a tranquila convicção dos detonados, nada impede que eu siga em frente, sem tirar da reta, pra mais uma vez quebrar os cornos na árvore da vida. Amém!

Sair de Vila Isabel foi muito parecido com morrer. E me ocorre que, ao escrever o presente texto, me aproximo cada vez mais célere da árvore, transformada agora, sim, na goiabeira branca que me recolherá definitivamente em seus galhos.

Livro: Vila Isabel, inventário da infância