
Jorge Paulo Lemann – o pai do elixir de vida longuíssima
Certa feita, subindo um rio em Rondônia, acompanhando a fiscalização do Ibama, atracamos num quiosque de barranco, perdido numa dessas infinitas curvas dos rios amazônicos.
No trapiche, ao sol que escaldava, jaziam quatro engradados de cerveja, deixados pelo regatão, à espera de alguma alma que os recolhesse.
Sentamos à mesa sob as árvores. A dona do restaurante avisou que estávamos com sorte: a cerveja tinha acabado de chegar…
Pra quem tinha suportando cinco horas de um suor tão grosso como a água turva do rio ou o ar que se respirava, foi fácil encarar aquilo como se fosse um chopp que fluísse da serpentina em bar com ar-condicionado em Copacabana.
Mas era aterrorizante ver a sede dos meus companheiros do Ibama — gente rodada como pneus de caminhão — diante daquela bebida que efervescia no copo como detergente. Mas pouco importava pra quem já estava fora de casa havia uma semana.
Enquanto o tucunaré demorava, meu cérebro começou a divagar. De fato, era impressionante a bebida estar íntegra depois de tudo que deveria ter sofrido pra chegar àquela mesa, no meio daquele nada biodiverso.
“Pra competir nesse mercado, a cerveja tem de ser fabricada como se fosse ração de guerra”, conclui.
Fui pesquisar e estava certo. Desde que cerveja é cerveja, tenta-se de tudo para conservá-la o maior tempo possível. Para os egípcios, a própria ideia de cerveja já era uma estratégia de conservação. O trigo, fermentado e armazenado em estado líquido, durava mais que na forma de pão.
Já nos tempos coloniais, os ingleses descobriram que reforçar o lúpulo garantia a integridade da cerveja nas longas travessia entre a Grã-Bretanha e a Índia, daí nasceu a India Pale Ale.
De qualquer forma, segundo me contou Alexandre Bazzo, dono da Bamberg, o melhor para a cerveja é não viajar. O lúpulo ainda é um conservante eficiente, mas cerveja não combina com estrada. E como deve estar escrito em algum para-choque de caminhão: o único sabor que a distância preserva é a saudade. “Cerveja fresca bebe-se perto de casa”, ensina Bazzo.O problema é que, durante o século passado, a indústria decidiu o contrário, que cerveja deveria viajar, sim. E que o sabor poderia ficar de lado. (O que não foi exatamente um problema no Brasil, onde é servida estupidamente gelada.)
E tome química para atender a logística das empresas. E baratear custos, claro.
Resultado: virou um Frankenstein. Hoje em dia, é melhor não saber como é feita. Igual a salsicha da Fátima Bernardes. Igual política.
Na fábrica da Ambev, o produto que sai do outro lado da engrenagem automatizada é um fóssil pronto. (A cara do pai.) Dá para por uma data de validade de mil anos…Luz.
Assim quando o sucessor do homo sapiens for visitar sua família lá para as bandas do Trappiste 1, o tal sistema planetário recém descoberto, ele vai poder saborear um Budweiser vintage (transgênica até o vidro da garrafa) acompanhada de barrinhas de cereais plásticos sabor bacon. E discutir as contradições entre preservar o planeta ou acelerar o crescimento da colônia.

Amazônia, 1927 – foto: Mário de Andrade